29/06/2017

NOS CAMINHOS DE CHÂTILLON-LES-DOMBES: um encontro de compaixão

 

Subsídio para Formação de Educadores/as Vicentinos/as II

 

NOS CAMINHOS DE CHÂTILLON-LES-DOMBES: um encontro de compaixão


1. O contexto:


Châtillon-les-Dombes, hoje Châtillon-sur-Chalarrone, é uma cidade da França com cerca de cinco mil habitantes. Ali viveu Pe. Vicente de Paulo entre os meses de agosto e dezembro de 1617. Movido pela experiência de Folleville que lhe despertou para um novo modo de perceber e assumir seu ministério, Pe. Vicente retirou-se da casa da família De Gondi, usando como pretexto uma viagem a Paris. Em 1º de agosto toma posse com pároco de Châtillon. Em quatro meses, seu zelo apostólico promoveu uma verdadeira transformação naquele lugar. Ao abandono da comunidade que ia desde o templo às demais dimensões da vida cristã daquele povo, Vicente responde com o testemunho de pastor atento e dedicado. Ali permaneceu até 23 de dezembro, retornando à convivência dos De Gondi, depois de muita insistência destes. Eles serão, aliás, grandes impulsionadores da revolução da caridade despertada em Châtillon.

 

2. O acontecimento:


Em 20 de agosto, uma outra experiência significativa marcou a vida e a missão de Pe. Vicente e, consequentemente, a história do carisma do qual foi instrumento. Eis como ele relatou, posteriormente, às Filhas da Caridade o fato:


“No tempo em que fui vigário de uma pequena cidade, perto de Lião, num domingo, quando me estava preparado para celebrar a Missa, alguém (a senhora de Chassaigne) me avisou que numa casa afastada, distante um quarto de légua, todas as pessoas estavam doentes, em extrema pobreza e sem ter alguém para servi-las. Fiquei extremamente comovido; do púlpito recomendei a família pobre e doente à caridade dos que me ouviam. Deus tocou-lhes os corações e todos ficaram penalizados pelos pobres doentes. Depois do meio dia fez-se uma reunião em casa de uma senhora da cidade para se determinar os socorros que se podiam dar; cada pessoa presente prontificou-se a ir visitar, consolar, e ajudar a família necessitada. Depois das Vésperas, tomei como companheiro um amigo, e fui também visitá-la. Encontrei pelo caminho mulheres que nos antecederam, e, pouco mais longe, outras que já voltavam. Como estávamos no verão, no tempo de maior calor, essas boas mulheres sentavam-se à beira do caminho para descansar e se refrescar. Enfim, havia tanta gente que parecia uma procissão. Quando cheguei, visitei os doentes e fui buscar o Santíssimo Sacramento para as pessoas que estavam pior. Depois de confessá-las e de dar-lhes a Comunhão, propus às boas senhoras que tinham tido a caridade de ir até lá, que se cotizassem, de modo que, todos os dias, cada uma, por sua vez, fizesse comida, não só para essa família, mas para outras que fossem aparecendo. Vendo a quantidade de víveres levados à dita família, lhes disse: ‘eis uma grande caridade, porém mal regrada. Estes pobres doentes, tendo tantas provisões ao mesmo tempo, deixarão muita coisa perder-se, e depois disto cairão na mesma necessidade’” (COSTE, T. IX. apud CASTRO, 1942. p. 66).


Três dias depois, Vicente de Paulo reuniu um grupo de senhoras e lhes propôs que fosse criada uma associação para socorrer os pobres e os doentes da paróquia. Nasce, assim, as Confrarias da Caridade, erigidas oficialmente em 08 de dezembro de 1617 (hoje Associação Internacional de Caridades - AIC). As Confrarias se espalharam rapidamente pela França. Uma das primeiras contribuições de Luísa de Marillac nas iniciativas de São Vicente foi a animação e formação destas Confrarias. Na esteira do trabalho realizado pelas Damas, se organizou a atuação das primeiras Filhas da Caridade, fundação de Luísa e Vicente em 1633.

 

O aprendizado:


“Tudo que fizeres ao menor dos meus, é a mim que o fazeis” (Mt 25, 31-46).


A intuição missionária de Vicente de Paulo em Folleville é, em Châtillon, dimensionada para a práxis da caridade, a qual envolve a compaixão diante da dor e a necessidade do/a outro/a, e a constatação das estruturas que precisam ser movidas e organizadas para que esta ação perdure e transforme. Duas constatações são fundamentais neste processo: a) a sensibilidade do povo e sua disposição em traduzir essa comoção em gestos concretos; b) a percepção de Vicente de que a sensibilidade desta gente necessita de um método/caminho que lhe dê eficácia. Não bastam boas ideias; é preciso formas adequadas de concretizá-las. Neste processo, é importante observar que Pe. Vicente não monopoliza o projeto de organização da caridade, mas atua em cooperação com as pessoas que estão dispostas a somar, especialmente as mulheres. Exemplo disso é a redação do primeiro Regulamento das Confrarias, tão rico em pequenos detalhes de como bem servir os pobres doentes. Sua liderança não é autoritária, mas propositiva, centrada em sua experiência de fé.

 

NOS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO VICENTINA: um projeto de compaixão


1. Os contextos:


As pobrezas hodiernas denotam urgências similares a Châtillon, tanto do ponto de vista socioeconômico quanto das vulnerabilidades humanas e existenciais. O ambiente educativo, plural por natureza, coloca em contato todos esses contextos: por vezes, é a pobreza dos projetos educativos que se pautam somente no resultado cognitivo e científico, em sua maioria refém do sistema tecnocrático e do modelo econômico; por outro lado, as vulnerabilidades de crianças, adolescentes e jovens, bem como das famílias; em outras instâncias, a pobreza ecossocial, que relega o planeta à exploração desenfreada e de consequências irreversíveis, associada à exclusão de um contingente imenso de pessoas vistas como descartáveis pelo sistema de produção vigente.

 

2. Os acontecimentos:

 

Deparar-se com pobrezas e pedidos de ajuda, explícitos e implícitos, é uma experiência diária que vai desde a escuta de uma notícia na televisão ou o acesso de algum conteúdo na internet, ao irmão pedinte no semáforo fechado no caminho da escola até o cotidiano da sala de aula. Châtillon se repete nestes cenários. O projeto educativo é, para nós, o púlpito de onde conclamamos à compaixão e à caridade concreta, palpável, como também a estrada que leva à casa da “família doente” e que suscita a intuição da organização da caridade. Sob o impulso de Châtillon e diante desses contextos, cabe-nos a pergunta: a serviço de que visão de ser humano e de sociedade está o projeto educativo vicentino? O risco de ser mais uma proposta no vasto rol de possibilidades que existem no mundo educacional atual nos interpela a olhar para o diferencial que o Carisma representa em nossa missão educativa; não como um privilégio diante de outras propostas, mas como um compromisso singular com um legado histórico recebido e com um horizonte de esperança que pede nossa fidelidade ativa do presente.

 

3. Os aprendizados:


Desde as origens o Carisma Vicentino assume com apreço a tarefa educativa por entender que a formação é fundamental para a promoção da caridade e o resgate da dignidade dos pobres. Não se trata meramente de um projeto científico, de aquisição de conhecimentos teóricos ou técnicos, de preparação para um “vir a ser” representado hoje, por exemplo, pela passagem no vestibular. Refere-se muito mais ao significado da palavra educação – educare - “conduzir para fora”, guiar e acompanhar o desabrochar da vida em todas as suas dimensões e interfaces, no que nós designamos sob a comprometedora expressão de educação integral. O encontro de compaixão em Châtillon se repete hoje na nossa capacidade de se deixar afetar, tocar pelo/a outro/a, especialmente em sua condição de maior fragilidade, e de movermos nosso ser, nossas habilidades, competências e recursos em formas criativas que lhe assegurem vida digna. E, assim, também nós nos reconhecermos vulneráveis, incompletos, aprendizes.

Pastoral Escolar Vicentina - Província de Curitiba

(Crédito das imagens: Arquivo - Ir. Vera Zanella)

 

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